Rescisão contratual e multas: Limites legais para diferentes tipos de contratos

Criado em: 21 de junho de 2018             
Atualizado em: 22 de outubro de 2024             



Rescisão contratual e multas: Limites legais para diferentes tipos de contratos
Rescisão contratual e multas: Limites legais para diferentes tipos de contratos

Q uando se trata da formalização de contratos, independentemente de sua natureza - seja aluguel, compra e venda ou prestação de serviços - é uma situação comum deparar-se com cláusulas de multas rescisórias.

No entanto, a falta de informação ou, em alguns casos, má índole, pode levar uma das partes a cobrar multas não permitidas legalmente caso a outra parte decida rescindir o contrato antes do seu término.

Diante desse cenário, é de suma importância compreender as nuances legais que regem tais multas, a fim de evitar abusos e assegurar a justiça nas relações comerciais.

Objetivo da multa rescisória

O propósito fundamental das multas rescisórias é compensar a interrupção de um acordo entre as partes. No entanto, é essencial destacar que essas multas devem ser proporcionais e não abusivas, evitando qualquer tipo de enriquecimento injusto de uma das partes.

O grande desafio reside em estabelecer o limite aceitável para essas multas, levando em consideração a legalidade e os princípios fundamentais de justiça.

É bastante comum encontrar contratos que apresentam multas abusivas, tais como a retenção de todo o montante já pago, acompanhada por uma cobrança adicional que envolve diversos valores.

Entretanto, surge a dúvida: como exatamente é calculada a multa de maneira legal, ou seja, de acordo com as diretrizes estabelecidas pela nossa legislação?

Contratos de consumo

Apesar da diversidade de modalidades contratuais, tais como contratos de consumo, prestação de serviços e compra e venda de imóveis, existem uma série de regras e limitações que se aplicam a essas situações específicas. Em relação aos contratos de consumo, por exemplo, o Procon destaca o direito das partes de solicitarem uma rescisão antecipada, proibindo assim a criação de contratos que forçam a execução até o seu término. Caso haja uma cláusula de rescisão no contrato, ela não pode resultar em um prejuízo integral para o fornecedor, tampouco pode obrigar o consumidor a arcar com valores não quitados.

O embasamento legal, especialmente o Código de Defesa do Consumidor, protege de forma significativa os direitos dos consumidores.



Art. 46:

"Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada à oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".



As cláusulas contratuais devem ser transparentes e de fácil compreensão, assegurando que as partes envolvidas compreendam totalmente o que está sendo acordado. Além disso, o princípio da razoabilidade é um guia fundamental para determinar o valor das multas. Normalmente, um percentual de até 10% sobre o saldo devedor é considerado aceitável. Descontos, abatimentos ou bolsas oferecidos devem ser considerados no cálculo, não podendo ser desconsiderados na aplicação da multa.

Contratos de prestação de serviços

No contexto dos contratos de prestação de serviços, muitas empresas aproveitam a falta de conhecimento dos consumidores para incluir cláusulas abusivas, a fim de intimidar os clientes e evitar que rescindam o contrato antes do prazo estipulado, visando assim uma fidelização indevida.

Nesse contexto, é essencial também observar a regra de razoabilidade, limitando a multa a até 10% dos valores totais devidos.

A proporção do tempo restante do contrato deve orientar o cálculo da multa. Por exemplo, se 2/3 do contrato já foram cumpridos, apenas 1/3 do valor total da multa pode ser cobrado.

Vejamos um exemplo prático para ilustrar esse ponto:


Imagine um contrato com duração de 12 meses, com um valor total de R$ 12.000,00. Nesse caso, a multa rescisória não pode ultrapassar R$ 1.200,00, garantindo assim uma proporção justa.

Agora, considerando esse mesmo contrato, suponhamos que já tenham transcorrido 8 dos 12 meses acordados. Isso significa que ainda resta 1/3 do contrato a ser cumprido.

Caso uma das partes opte por encerrar o contrato antes do prazo, será aplicada uma multa de R$ 400,00, correspondente a 1/3 do valor total da multa.


É importante ressaltar que, se a multa for julgada abusiva, a cláusula que a estipula pode ser anulada, mesmo que tenha sido incluída no contrato e registrado em cartório.

Tal proteção aos consumidores está fundamentada no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelece a invalidade de cláusulas contratuais que imponham obrigações abusivas, colocando o consumidor em uma posição desfavorável e excessivamente prejudicial.

Contratos com mensalidades

No caso de contratos baseados em mensalidades, como planos de academias, é crucial respeitar integralmente o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e evitar qualquer tipo de cobrança abusiva.

O consumidor não pode ser compelido a continuar pagando por um serviço que não deseja mais utilizar.

As multas nesse contexto também devem seguir a regra da proporcionalidade, limitando-se a até 10% do valor total do contrato.

Vejamos um cenário ilustrativo para compreender melhor essa situação:


Imagine que um plano anual em uma academia seja ofertado pelo valor de R$ 1.000,00 e pago antecipadamente.

Nesse contexto, a multa rescisória caso o cliente deseje rescindir antes de iniciar o plano não deveria exceder R$ 100,00, o que equivale a 10% do valor total do plano.

Agora, consideremos que um cliente tenha frequentado a academia por um período de 6 meses, ou seja, metade do tempo previsto no contrato. Seguindo essa proporção, a multa a ser aplicada seria de R$ 50,00, representando a metade do valor total estipulado, visto que a outra metade o cliente cumpriu e pagou corretamente.

Como resultado, caso o cliente decida solicitar a rescisão antecipada conforme o exemplo acima, a academia deveria reembolsar ao cliente o valor de R$ 450,00. Isso ilustra a aplicação dos princípios de proporcionalidade e justiça nas relações contratuais.


Contratos com cláusula de fidelidade

As cláusulas de fidelidade presentes em certos contratos, como os de TV por assinatura, são regidas por regras específicas.

A fidelidade é legal, embora exista um projeto de lei na Câmara dos Deputados que pretende proibir a sua prática (PL 8626/2017).

A fidelidade só é válida quando há algum benefício claro para o consumidor, como descontos ou vantagens especiais, e, semelhante à cobrança de anuidade antecipada em contratos com mensalidade, não pode ser abusiva e deve ter sua cobrança conforme o estipulado pelo CDC.

No entanto, mesmo nesses casos, se o serviço não está sendo prestado de forma adequada, o consumidor tem o direito de rescindir o contrato sem a imposição da multa.



Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.



Normas para a cláusula de fidelidade em contratos



• A vigência da cláusula de fidelidade está limitada a 12 meses.

• As condições para a aplicação da multa e o método de cálculo devem ser transparentemente expressos nos contratos.

• Seguindo a perspectiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), a multa não deve ultrapassar 10% do valor total devido.

• A cobrança da multa deve sempre ser proporcional ao tempo remanescente para o término da fidelização.

• Caso o consumidor opte por encerrar o serviço antes do prazo devido à qualidade insatisfatória da prestação de serviço, é assegurado o direito de cancelar o contrato sem a imposição do pagamento da multa.


Contratos de compra e venda de imóvel

A discussão acerca da multa rescisória em contratos de compra e venda de imóveis é uma constante, variando conforme seja solicitada pelo cliente ou pela imobiliária/construtora.

De acordo com decisões dos Tribunais de Justiça, nos contratos de compra e venda de imóveis, a taxa, oscilando entre 10% e 25%, deve incidir sobre os valores já desembolsados pelo comprador, ao invés do valor total do imóvel.

Essa interpretação se fundamenta no princípio da boa-fé e equidade.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por exemplo, já se pronunciou a respeito:



"O percentual de 10% (dez por cento) relativo à cláusula penal, consagrado pela jurisprudência deste Tribunal, deve incidir sobre os valores efetivamente pagos pelo comprador, e não sobre o montante atualizado do imóvel, pois tal entendimento é o que melhor se coaduna com os princípios da boa-fé objetiva e da equidade. Precedentes." - Acórdão 911821.



Outro exemplo relevante é:



"Afigura-se razoável a redução da cláusula penal para 15% (quinze por cento) sobre o valor efetivamente pago, considerando-se notadamente a possibilidade de renegociação posterior da unidade imobiliária pela construtora." Acórdão 935498.



O Supremo Tribunal de Justiça também emitiu parecer sobre o assunto:



"A jurisprudência desta Corte tem considerado razoável, em casos de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel por culpa do comprador, que o percentual de retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas seja arbitrado entre 10% e 25%, conforme as circunstâncias de cada caso, avaliando-se os prejuízos suportados." - AgRg no AREsp 728256/DF.



Em situações em que houve atraso na obra ou em sua entrega e a culpa recai sobre a construtora, é permitida a cobrança de uma multa de 30% sobre o valor pago, a título de compensação para o comprador.



"A jurisprudência desta Corte tem considerado razoável, em casos de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel por culpa do comprador, que o percentual de retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas seja arbitrado entre 10% e 25%, conforme as circunstâncias de cada caso, avaliando-se os prejuízos suportados." - AgRg no AREsp 728256/DF.





"O descumprimento contratual consistente em atraso na entrega do imóvel, sem justificativa hábil da construtora, gera direito ao comprador de pleitear, em seu favor, a restituição integral dos valores pagos, bem como a aplicação de cláusula penal compensatória prevista no ajuste, revelando-se hígida a incidência da multa de 30% (trinta por cento) sobre o valor pago." - Acórdão 932307.





"A cláusula penal que fixa a multa pela rescisão contratual em 30% sobre o valor do imóvel previsto no contrato é abusiva, seja para o promitente comprador. seja para o promitente vendedor, devendo ser reduzida para 30% sobre o valor pago." - Acórdão 927915.



Conclusão

Em um contexto mais amplo, é imprescindível que as partes envolvidas compreendam suas responsabilidades e direitos.

Contratos claros, redigidos de forma acessível, previnem conflitos que poderiam culminar em disputas judiciais prolongadas e dispendiosas.

A via judicial permanece disponível para contestações, a fim de evitar o enriquecimento ilícito e garantir a equidade nas relações contratuais. Portanto, ao formalizar qualquer tipo de contrato, é crucial entender as regras que regem as multas rescisórias e garantir que elas estejam em total conformidade com as leis vigentes. A compreensão dessas nuances pode evitar desentendimentos futuros, prevenindo as partes de prejuízos financeiros e perda de tempo.

Sempre deixe especificada em contrato a cláusula de penalização por rescisão contratual, evitando assim conflitos que poderiam resultar em brigas judiciais, prevenindo as partes de prejuízos e da perda de tempo.


Author: Gustavo Falcão

Gustavo Falcão

Gustavo Falcão, fundador da 99contratos, oferece soluções acessíveis e descomplicadas para o conhecimento jurídico.

Através de modelos de contratos personalizáveis, sua missão é garantir praticidade e segurança jurídica.

Sempre buscando aprimorar seus serviços e expandir suas áreas de atuação, Gustavo acredita na tecnologia como aliada para simplificar processos burocráticos e democratizar o acesso ao conhecimento jurídico.


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